Construindo nossos PGTAS’: articulação, mobilização e sociodiversidade indígena na calha norte do Pará

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De 19 a 21 de maio de 2015 foi realizado em Macapá o encontro de finalização do projeto de mobilização comunitária e diagnóstico socioambiental de 4 Terras Indígenas (Trombetas-Mapuera, Nhamundá-Mapuera, Parque do Tumucumaque e Paru d’Este), situadas na faixa norte do Pará, estendendo-se aos extremos sul de Roraima, sudeste do Amazonas e oeste do Amapá, que contou com um público de cerca de 100 pessoas. Foram três dias de trabalho intenso em que foi possível a todos conhecer os resultados gerais dos diagnósticos realizados, compartilhar e discutir temas e propostas inseridas no que foi chamado de “pré-planos de vida”, elaborados por sub-região e integrados em dois conjuntos de TIs.

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Durante a reunião foram apontados dois tipos de resultados alcançados: aqueles ligados à articulação e mobilização de diferentes atores indígenas e não indígenas, nascidas com esse projeto, em diferentes âmbitos e momentos; e aqueles ligados à produção de informação e conhecimento sobre as TIs envolvidas. Neste ponto, não tanto as informações sobre a imensa biodiversidade indicada nas diferentes paisagens das 4 TIs chamou atenção, porque isso já era o esperado. O que saltou aos olhos de todos e merece destaque é a expressiva diversidade de identidades apontadas pelos moradores dessas TIs quando indagados sobre seu pertencimento étnico. A soma total de povos aos quais disseram pertencer os 6.600 moradores dessas 4 TIs foi de 46 povos, em sua grande maioria falantes de línguas da família linguística caribe, constituindo um verdadeiro corredor de sociodiversidade étnica e linguística que atravessa as 4 TIs sob as seguintes denominações: Ahpamano, Aipïpa, Akïyó, Akuriyo, Aparai, Aramayana, Arara, Atroari, Caruma, Farukwoto, Hixkaryana, Inkarïnyana, Kahyana, Kamarayana, Karahawyana, Karapawyana, Karará, Karaxana, Katuena, Katxuyana, Macuxi, Maraso, Mawayana, Murumuruyó, Okomoyana, Pïrëuyana, Pirixiyana, Pïropï, Sakëta, Sateré-mawé, Tiriyó, Tunayana, Txarumayana, Txikïiyana, Upuruí, Waiwai, Wajãpi (do Cuc), Wajãpi (do Molokopote), Wapixana, Wayana, Xerewyana, Xirihxana, Xowyana, Yekuana. Yukwaryana, Yukwaryana.

Tal informação não passaria de mera curiosidade não fosse o fato de que os diagnósticos também confirmaram uma ligação entre essa sociodiversidade nativa e as regras de ocupação territorial e direito de uso dos recursos ambientais. Isso vem se verificando no âmbito do processo de redispersão da população em aldeias menores – após décadas de concentração de até mais de mil pessoas em grandes aldeias – sedes de bases missionárias e de assistência, instaladas nos anos 1960/70, tanto no interior dessas 4 TIs (aldeias Mapuera, Kassawá, Missão Tiriyó e Bona), quanto  nos países vizinhos a essas TIs: Suriname (aldeia Kuamara) e Guiana Inglesa (aldeia Kanashen).  Porém a dificuldade de adaptação ao modo de vida baseado na concentração populacional, aliada ao rápido esgotamento dos recursos naturais disponíveis no entorno daquelas grandes aldeias, fez com que, a partir dos anos 1980 surgissem iniciativas de retomada do padrão tradicional de ocupação territorial por parte desses povos. E isso, desde então, vem se dando não de forma aleatória, mas com base na reocupação de áreas antigamente ocupadas pelos ancestrais desses 46 povos, sendo o comprovado e reconhecido pertencimento a alguma dessas origens, um importante critério indígena que hoje regula o direito de abertura de novas aldeias. Demonstrando assim que a memória da sociodiversidade a que pertencem é até hoje operante no seu modo de organização social, territorial e política. Portanto fechar os olhos para a necessidade que esses povos têm hoje de não mais se esconderem nas denominações genéricas sob as quais se tornaram oficialmente conhecidos – tais como Waiwai, Hixkariyana, Katxuyana, Tiriyó, Wayana e Aparai, é fechar os olhos para aquilo que a própria Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas propõe como uma de suas diretrizes, a saber: “reconhecimento e valorização das organizações sociais e políticas dos povos indígenas e garantia das suas expressões, dentro e fora das terras indígenas”.

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O Projeto e suas Parcerias

Para sua execução, este projeto envolveu a atuação das 6 Associações Indígenas representativas dessas 4 TIs, a saber, Apitikatxi – Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Katxuyana e Txikiyana; APIWA – Associação dos Povos Wayana e Apalai; APIM – Associação dos Povos Indígenas do Mapuera; APITIMA – Associação dos Povos Indígenas da Terra Indígena Trombetas/Mapuera; CGPH – Conselho Geral dos Povos Hixkariyana e APIW – Associação dos Povos Indígenas Waiwai. Envolveu ainda o apoio e a colaboração da FUNAI, por meio das Coordenações Gerais de Gestão Ambiental e de Índios Isolados e de Recente Contato – CGGAM e CGIIRC, bem como das diferentes instâncias regionais e locais da FUNAI às quais essas TIs encontram-se jurisdicionadas, tais como as Coordenações Regionais de Macapá, Manaus e Boa Vista; as Coordenações Técnicas Locais de Macapá, Oriximiná, Nhamundá e Jatapuzinho; contou também com a colaboração e acompanhamento da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema. No âmbito desta rede de parceiros que se reuniu em torno da proposta de mobilização comunitária e diagnóstico socioambiental visando à construção de Planos de Gestão Territorial e Ambiental, a Apitikatxi esteve à frente como proponente do projeto “Construindo nossos PGTAs” junto ao PDPI-MMA, tendo como principal parceiro na execução do mesmo, o Iepé, que por sua vez contou com apoio da Fundação Moore para que uma empreita como esta, envolvendo 4 Terras Indígenas, todas de difícil acesso, e abrangendo 82 aldeias, situadas em 9 milhões de hectares de extensão, pudesse se concretizar ao longo de um ano de atividades, e se materializar nos resultados e conquistas que puderam ser compartilhados, discutidos e avaliados nesses 3 dias de reunião em Macapá/AP.

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Atividades Realizadas

Este projeto teve sua origem em uma confluência de fatores e atores – indígenas e não indígenas que, em 2013, viram no edital de apoio a processos de elaboração de PGTAs, lançado pelo PDPI/MMA, a possibilidade de inserção, não apenas de uma Terra Indígena, mas de um conjunto de TIs vizinhas na temática da gestão territorial e ambiental. Uma vez aprovado, foram realizadas duas reuniões gerais – em novembro de 2013 e abril de 2014, reunindo lideranças indígenas e representantes das instituições parceiras para planejamento das ações conjuntas e divisão de incumbências por sub-regiões. As 4 TIs foram divididas em 5 sub-regiões onde se encontram 82 aldeias distribuídas ao longo das seguintes calhas de rios: Paru d’Este, Paru de Oeste (nas TIs Parque do Tumucumaque e Paru d’Este), e rios Mapuera, Nhamundá e Jatapu/Jatapuzinho (nas TIs Trombetas e Nhamundá/Mapuera). As atividades de mobilização comunitária e diagnóstico socioambiental se deram por meio de 14 oficinas participativas realizadas ao longo de junho de 2014 a fevereiro de 2015, reunindo cada uma, em média, moradores e representantes de 6 aldeias. A cada conjunto de oficinas por calha de rio seguia-se um encontro de lideranças e representantes das aldeias locais para validação dos diagnósticos realizados e das propostas de futuro resultantes dos mesmos. Ao todo foram realizados 5 encontros de validação, dos quais resultaram 5 pré-propostas de futuro e indicação de prioridades a partir do que foi discutido e aprovado em cada uma das 5 sub-regiões no interior das 4 TIs.

 Reunião de encerramento do projeto

Por ocasião da reunião de encerramento do projeto, realizada de 19 a 21 de maio de 2015 em Macapá/AP foi possível o compartilhamento dos resultados gerais dos diagnósticos e das propostas de futuro discutidas e validadas por sub-região. Para tanto estiveram presentes caciques, lideranças, representantes de aldeias e associações indígenas de todas as sub-regiões, inclusive da AIKATUK (Associação Indígena Katxuyana, Tunayana e Kahyana) que representa a TI Katxuyana/Tunayana (em processo de regularização fundiária). Esta TI situa-se ao meio das 4 TIs contempladas neste projeto e só não fez parte do mesmo por uma restrição do edital à TIs sem a etapa de publicação do relatório de identificação no DOU concluída. Participaram também os coordenadores das CRs da FUNAI de Manaus e Macapá, os chefes de todas as CTLs de referência das TIs contempladas no projeto, bem como os chefes e servidores do SEGATI de cada uma das CRs presentes, e ainda o coordenador substituto da FPEC, de Santarém. Também participaram dessa reunião os membros da equipe do Programa Tumucumaque do Iepé e da equipe técnica de antropólogos, biólogos e assessores indigenistas que conduziram as atividades de campo nas 5 sub-regiões. Um representante do PDPI/MMA acompanhou essa reunião. A reunião também contou com uma facilitadora gráfica que se encarregou de ilustrar, paralelamente à reunião, informações e percepções extraídas das falas e apresentações sobre a temática do projeto. Foram elaborados três painéis que resumem e exprimem os principais resultados de cada dia e do projeto como um todo. O painel do primeiro dia trata dos resultados dos diagnósticos em termos de dados totais para o conjunto das 4 TIs; o do segundo dia ilustra e resume o compartilhamento e integração das propostas de futuro das 4 TIs; e o do terceiro dia apresenta uma moldura com grafismos e diferentes pessoas de mãos dadas no entorno de um espaço central em branco, ilustrando o encontro de todos que ali se encontravam, unidos por um objetivo em comum que é o da construção e implementação de seus PGTAs, e a sugestão que surgiu é que o mesmo seja impresso para ser distribuído na forma de um painel cujo espaço em branco sirva para anotações por ocasião de novos encontros e reuniões.

Principais resultados apontados

Articulação das associações indígenas das 4 TIs entre si, das mesmas com suas bases, e delas com os demais parceiros, governamentais e não-governamentais envolvidos no projeto. Também foi destacada a articulação conquistada pelos parceiros não-indígenas entre si, sobretudo entre o Iepé e a FUNAI, em suas instâncias nacional, regionais e locais, e ainda entre os profissionais (antropólogos, biólogos e indigenistas) que já atuavam junto aos povos indígenas dessas TIs, e que somaram esforços, visando contribuir para o processo em curso voltado para a construção de seus PGTAs.

Mobilização comunitária ampla em torno da temática da gestão territorial e ambiental no âmbito da PNGATI, do trabalho colaborativo e participativo de elaboração dos diagnósticos socioambientais por aldeia, e da  discussão em torno dos pré-planos de vida que foram elaborados a partir da soma, discussão e validação de propostas tiradas de cada uma das cerca de 82 aldeias existentes hoje no conjunto das TIs envolvidas.

 Intercâmbio entre povos por meio dos encontros entre os moradores e representantes dos povos indígenas das 4 TIs ao longo das oficinas e reuniões do projeto, além das oficinas de política indigenista regional, propiciadas pelo Iepé.

Informação atualizada sobre os seguintes eixos temáticos: aldeias e povos; população e fluxo de pessoas; meio ambiente e segurança alimentar; território – proteção e monitoramento; cultura e organização social e política; fluxo de dinheiro; infra-estrutura comunitária, educação escolar e atendimento à saúde.

Produção de conhecimento sobre histórico da ocupação territorial na região, classificações nativas das paisagens locais, biodiversidade e sociodiversidade indígena.

Avaliações finais:

João Waiwai – chefe da CTL de Oriximiná/PA: quero dizer que enquanto indígena, me sinto gratificado pelos trabalhos que fizemos juntos e hoje conseguimos chegar até esse ponto que estamos aqui com esse projeto: com a parte de diagnósticos concluída nas 4 terras indígenas. Agradeço muito o envolvimento de todos nós, da FUNAI e do Iepé. Sabemos que isso mais tarde pode trazer benefícios para as comunidades. Estamos lutando pela melhoria da qualidade de vida nas nossas aldeias. Sabemos que os políticos estão contra nós. Prevemos um problema sério que pode vir, mas se estamos preparados, vamos enfrentar. Por meio desse projeto conseguimos unir nossas forças! Somos da região do Trombetas-Mapuera, e tem os outros que vieram das outras regiões, Roraima, Amazonas, viemos de longe e estamos aqui. Por meio desse projeto aprendemos juntos e isso é muito importante para nós. Excelente esse projeto promovido pelo Iepé porque pudemos ter esse intercâmbio entre nós. Ouvia falar de alguns parentes como ao Wayana e Apalai que há muito tempo eu queria conhecer. Muito bom que juntos pudemos compartilhar essa luta. Enquanto coordenador de CTL eu estou abraçado com essa luta porque sou parente de vocês. Sinto-me como responsável para que a gente possa lutar junto, para que nosso futuro seja melhor para nossos filhos e netos. Encaminhar nossos documentos com os parceiros é muito importante, para os parceiros que têm interesse pela  nossa causa indígenas. Não adianta entregar para aqueles que estão contra nós. Agradeço muito de coração aos nossos parceiros que lutam por nós!

Cecília Apalaí – presidente da APIWA: Ouvi as falas do pessoal da FUNAI de Macapá e Manaus. Foi muita coisa, não consegui captar tudo, mas foi muito bom! Estamos analisando esse projeto PDPI que trouxe muitas experiências entre nós povos indígenas. Realmente seria muito difícil ter essas experiências sem esse apoio. Hoje nós temos e estamos aqui finalizando esse projeto, esse diagnóstico que será muito importante para nossas futuras gerações. Hoje estamos lutando e é muito difícil. Como acompanhei desde o início, a gente mesmo que precisa colocar a mão na massa, trabalhando. Foi um trabalho grande para concluir esse diagnóstico. Eu vou levar esse resultado para minha comunidade porque eles precisam conhecer. Precisa se transformado em livro. Eu vejo que muitas vezes recebemos informações que ficam jogadas no chão. Precisamos levar essas informações para as nossas bases. As comunidades precisam conhecer e saber o significado. Olhando assim é simples, mas as pessoas que estão na ponta precisam conhecer para manusear bem isso futuramente. É nosso desejo de futuro o que está nesses textos. Precisamos levar isso para nossas aldeias. Muitos de nossos parentes têm muita dúvida. Para não ter dúvida, temos que levar as informações durante nossas reuniões, assembleias, repassar as informações. Levar o papel para explicar para eles os resultados do que eles ajudaram a escrever. É fácil falar, mas traduzir na nossa língua é muito difícil. Estou emocionada porque estamos finalizando e quero agradecer ao Iepé que abraçou nossa causa! O Iepé é uma instituição que busca nosso bem. A FUNAI também. E temos que envolver nossos jovens que são o futuro também. Estamos concluindo, mas isso não é final ainda. Precisa de 5, 10 anos e não pode ficar parado. Daqui 2 ou 3 anos serão outros problemas. Obrigada e vamos continuar nos encontrando parentes!

Cacique Aretina – aldeia Pedra da Onça, TI Parque do Tumucumaque:  agradeço aos parceiros FUNAI, Iepé, PDPI. Estou feliz por termos nos reunido aqui. Agradeço os parentes Waiwai. O que construímos aqui não é para ficar só no papel. Temos que olhar para frente, não baixar a cabeça. Meus netos e meus filhos ainda vão precisar disso.

Willis Katxuyana: pertenço à diretoria da APITKATXI também, sou jovem e não tinha essa experiência. Minha mãe falava que deveria participar das reuniões. Eu sempre pensei em estudar e voltar para a aldeia e ajudar meus povos. Como os velhos falam: eles lutam na frente e vêm outros que vão se fortalecendo. A gente sempre teve inimigos, mas hoje que é diferente das lutas dos nossos antepassados. Hoje fazemos outra guerra para segurar nossa terra. Nossa terra é nossa vida, sem nossa terra a gente não é nada. Precisamos lutar! Eu falo pros estudantes que a gente precisa se entrosar mais nas reuniões. Ou como vamos ajudar depois? É isso que eu coloco na minha cabeça! Eu falo isso para o meu irmão, ele está na cidade e acha que está tudo bem na aldeia. E quem está na aldeia também não sabe o que está acontecendo nas reuniões na cidade. Agradeço muito ao Iepé que já trabalha com a gente muito antes de eu nascer. 

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