Documento Final da Mobilização dos Povos Indígenas do Amapá e norte do Pará

data

Abril de 2014

Nós, povos indígenas Apalai, Akuryó, Galibi-Marworno, Galibi Kal’ina, Karipuna, Kaxuyana, Palikur, Tiriyó, Txikuyana, Wayana e Wajãpi estivemos pela primeira vez na história do movimento indígena de nossa região reunidos, entre os dias 14 a 17 de abril de 2014, na Mobilização dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará, na cidade de Macapá – AP. Nesta ocasião, que trouxe à capital do Amapá mais de 300 lideranças indígenas, apresentamos e discutimos junto a órgãos e secretarias de todas as esferas governamentais, Assembleia Legislativa do Estado do Amapá e Bancada Federal do Amapá um grande conjunto de reivindicações comuns e específicas de cada povo, como exposto a seguir:

foto: Jorge Júnior/Agência Amapá
foto: Jorge Júnior/Agência Amapá

Ameaças aos direitos constitucionais dos povos indígenas em tramitação no Congresso Nacional – Durante os quatro dias de nossa mobilização, contamos com o apoio e participação de representantes do movimento indígena nacional e organizações indigenistas. Destacamos as apresentações esclarecedoras feitas por Sônia Bone Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e Cleber Buzatto, coordenador do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, sobre projetos de emenda constitucional, projetos de lei e medidas administrativas e jurídicas que ameaçam os direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988 e dispositivos legais internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da OIT, a saber: PEC 215/00, PEC 038/99, PLP 227/12, PL 1610/96, Portaria 2498/2011, Portaria 419/2011, Portaria 303/2012: Se aprovados, os projetos e medidas administrativas e judiciais em trâmite (decretos e portarias) vulnerabilizam as terras indígenas já demarcadas e inviabilizam toda possibilidade de novas demarcações. Entendemos que há grave risco de retrocesso no direito conquistado sobre nossas terras demarcadas e homologadas, assim como para o moroso processo em curso de demarcação da TI Kaxuyana, no Pará.

Ao longo dos quatro dias de mobilização estivemos representados por nossas lideranças, que apresentaram as seguintes reivindicações:

Saúde:Exigimos mais atenção à saúde dos povos indígenas pelos órgãos competentes, através da garantia das condições de atendimento nos pólos-base das aldeias, postos de saúde e Casas de Saúde Indígena (CASAIs). Queremos condições dignas de transporte (terrestre, fluvial e aéreo) de nossos pacientes para os hospitais nas cidades. Precisamos ainda da construção de postos de saúde nas aldeias onde não existem ou são insuficientes e de um concurso diferenciado para profissionais indígenas, assim como de cursos de formação para novos profissionais da área da saúde.  É primordial para a garantia de nossa saúde o fornecimento de serviços de saneamento básico nas aldeias onde é inexistente ou pouco suficiente. Reivindicamos também a inclusão de políticas diferenciadas para povos indígenas no Sistema Único de Saúde, que respeitem nossas especificidades e valorizem nossos conhecimentos tradicionais.

Educação escolar indígena nos níveis fundamental, médio e superior:Reivindicamos a construção, reforma e equipagem de escolas de nível fundamental e médio, pois em boa parte de nossas aldeias elas são inexistentes ou encontram-se em situação precária, oferecendo riscos a nossos alunos e professores. Do mesmo modo todas as regiões necessitam de transporte adequado para alunos e professores, de acordo com suas realidades; Cobramos a realização de um processo continuado de formação de professores indígenas, com respeito aos nossos direitos a uma educação específica, assim como o reconhecimento de processos formativos já realizados e baseados nessas prerrogativas. Queremos um novo concurso específico para professores indígenas em nível estadual, buscando atender as demandas sempre crescentes de nossas aldeias, uma vez que o último concurso aconteceu há 08 anos. Reivindicamos a continuidade do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UNIFAP, assim como as condições mínimas para que nossos estudantes possam frequentá-lo e ainda a garantia de vagas no sistema de cotas para os demais cursos superiores. Em virtude da estrutura insuficiente do Núcleo de Educação Indígena da Secretaria de Estado da Educação do Amapá, exigimos sua reestruturação para garantir o atendimento das diferentes demandas de educação escolar indígena das regiões aqui representada, assim como maior autonomia do seu funcionamento.

Proteção das Terras Indígenas e meio ambiente: Somos contrários à implantação de empreendimentos dentro ou no entorno de nossas terras indígenas que possam afetar nossos modos e qualidade de vida e de nossas futuras gerações, como barragens, hidrelétricas, exploração minerária e madeireira. Respaldados pela Convenção 169 da OIT exigimos ser consultados e informados previamente nos processos de elaboração de planos de manejo de unidades de conservação que se encontram no entorno de nossas terras, como é o caso da Flota do Amapá. Reivindicamos apoio e ação dos órgãos competentes para a fiscalização de nossas terras e parceria com outros órgãos que possam nos auxiliar na árdua tarefa de manter sua integridade, seja através do estreitamento do diálogo com agentes do entorno, seja no combate aos ilícitos. Pedimos a atenção devida dos segmentos aqui mencionados para nossos diversos documentos produzidos em processos de planejamento participativo e que definem eixos temáticos e diretrizes estratégicas para a gestão de nossos territórios, respaldados pela Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas – PNGATI.

Projetos de infraestrutura:Reivindicamos o fornecimento de energia elétrica de acordo com as necessidades e possibilidades de cada região, conforme vimos apresentando através de documentos em todas as nossas assembleias regionais. É urgente a manutenção das rodovias que conduzem às terras indígenas e que em períodos de inverno chuvoso encontram-se em situação calamitosa, colocando em risco a vida de indígenas e não-indígenas e inflamando a opinião pública contra nós, acusados de sermos culpados pela falta de manutenção das estradas e morosidade nas obras de construção das mesmas. Do mesmo modo cobramos mais celeridade dos órgãos competentes no cumprimento das condicionantes do TAC 001/2011, que inclui o processo de realocação das aldeias situadas ao longo do Tronco Norte da BR-156, assim como da definição das compensações e mitigações decorrentes das obras de pavimentação da mesma e construção da Ponte Binacional que interliga o Brasil à Guiana Francesa. No mesmo sentido cobramos a realização dos acordos firmados para a implantação do cabeamento de fibra ótica para fornecimento de internet banda larga no Estado do Amapá. Exigimos também continuar participando integral e paritariamente das discussões acerca destes empreendimentos no âmbito do Comitê Gestor do Programa Indígena da BR-156 – COGEPI, fórum deliberativo instituído desde 2008 para discutir e encaminhar as questões referentes aos impactos causados por empreendimentos sobre as TIs Uaçá, Galibi e Juminã, em Oiapoque. Reivindicamos, do mesmo modo, a regularização de nossas pistas de pouso e autorização da ANAC para pousos e decolagens nas mesmas, além da regularidade de vôos e aeronaves para aldeias das TIs Parque do Tumucumaque e Paru D’Este, visando atender nossas demandas de deslocamento.

Reconhecimento, formação continuada e concursos específicos para as diversas categorias de profissionais indígenas: Reivindicamos o reconhecimento, pelas diferentes esferas governamentais, das seguintes categorias profissionais indígenas: Agente Ambiental Indígena, Agente Indígena de Saúde, Agente Indígena de Saneamento. O reconhecimento dessas categorias possibilita a realização de concursos específicos para essas áreas, fundamentais para a garantia da conservação de nosso meio ambiente e de nossa saúde.

Estrutura para apoio aos povos indígenas em Macapá:pedimos a construção de casas de apoio na cidade de Macapá, com estrutura para receber lideranças e estudantes em trânsito para suas diversas demandas.

Repudiamos qualquer forma inadequada de posicionamento ou resposta a questionamentos de nossas lideranças indígenas por parte de instituições e segmentos que atuam junto aos povos indígenas de nossa região. Tomamos como exemplo o posicionamento intimidador e ameaçador da gestora do DSEI Amapá e Norte do Pará em resposta às reivindicações e questionamentos das lideranças indígenas nesta mobilização.

Por fim, reivindicamos o reconhecimento e valorização de nossos conhecimentos tradicionais por todos os segmentos aqui mencionados e repudiamos toda manifestação de racismo contra povos indígenas em nossa região e no Brasil.

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