III Assembléia Geral dos Povos Karib da TI Katxuyana-Tunayana/Norte do Pará

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De 12 a 14 de julho de 2016 foi realizada, na aldeia Kaspakuru, no rio Trombetas/PA, a III Assembléia Geral dos povos Karib que habitam a TI Katxuyana-Tunayana (TIKT), dentre os quais os povos Hixkaryana, Kahyana, Txikiyana, Xerewyana, Katxuyana, Katuena, Tunayana, Tiriyó e outros

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Estiveram presentes lideranças indígenas representantes de cada uma das 17 aldeias situadas ao longo dos rios Nhamundá, Mapuera, Cachorro e Trombetas, bem como a diretoria da AIKATUK, que tem Juventino Kaxuyana como presidente, e representantes das seguintes instituições convidadas: COIAB, CIMI Norte II, SESAI (Pólo Base Oriximiná), Funai (DPT, FPEC e CTL Oriximiná),  IDEFLORBio, Iepé,  CTI e ECAM, com destaque para a presença do diretor da DPT (Diretoria de Proteção Territorial) da Funai, Walter Coutinho e dos membros do GT de Identificação dessa TI, Ruben Caixeta, Denise Fajardo e Iori Linke; além do procurador do MPF em Santarém, Dr. Luis Camões. Também estiveram presentes pesquisadores da UFMG, USP, UFF e Museu Nacional, com pesquisas de antropologia e arqueologia em andamento na região, totalizando em torno de 130 participantes.

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Essa Assembléia foi organizada pela AIKATUK (Associação Indígena Katxuyana, Tunayana, Kahyana), tendo como tema central “Nosso território: qual passo seguir após a publicação do Relatório de Identificação e Delimitação?” (Kïronon Kumu: Timo Hoko Kïtati Soro, Relatório Hen Hoye?). O primeiro dia foi dedicado às falas de apresentação e introdutórias por parte de representantes indígenas e não indígenas ali presentes, a partir de suas experiências e vivências no acompanhamento direto ou indireto da ‘triste e longa’ história que marcou as vidas daqueles que um dia se viram obrigados a deixar para trás seus territórios de origem, sem garantia de volta. “Fomos levados na marra. Parece que tinha contrato para nos tirarem daqui”. Assim pronunciou-se João do Valle Kaxuyana, que em 1968 se viu transferido para a Missão Tiriyó, no Parque do Tumucumaque, e que, no início dos anos 2000 tomou a frente no retorno e na reivindicação pela demarcação de sua TI junto à Funai.

De parte da AIKATUK, Angela Kaxuyana, fez um marcante pronunciamento de abertura, enfatizando que a luta por seus direitos territoriais não é tão recente como parece para quem não conhece a história dos povos dessa região, pois remonta a 20 de fevereiro de 1968 e não a 2003, como consta nos documentos sobre a demanda da TIKT. Também ressaltou que muitos não sabem que nessa TI não vivem apenas os povos Katxuyana e Tunayana, que dão nome à mesma, mas uma diversidade muito maior de povos em contato e ainda isolados, completamente desconhecidos da maioria dos Karaiwa (não-indígenas). E apontou como principais desafios dessa luta atualmente: que o governo cumpra com o acordo entre indígenas e quilombolas; que seja dada continuidade no processo da demarcação; e garantidos os direitos dos povos indígenas que vivem nessa TI. Nara Baré, em nome da COIAB, fez uma contextualização sobre o atual cenário de enfraquecimento das organizações indígenas e da Funai e das constantes ameaças de retrocessos diversos nos direitos conquistados pelos povos indígenas desde a Constituição de 1988.

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Ruben Caixeta, antropólogo-coordenador do GT da Funai de identificação da Terra Indígena Katxuyana-Tunayana, relembrou o início dos trabalhos do GT em 2008 e se comprometeu a não deixar de contribuir no que estiver ao seu alcance até que essa TI seja homologada. Lembrou das lideranças indígenas e técnicos da Funai que em muito contribuíram para o processo avançar, que infelizmente já se foram e não verão esse dia chegar, mas que sempre merecerão reconhecimento pela parte que lhes cabe na conquista dessa TI. Denise Fajardo destacou um aspecto que marcou a vida dos tantos povos originários dali, desde os anos 1960 até recentemente, que é o da ‘invisibilidade’ de si próprios enquanto permaneceram concentrados em grandes aldeias, onde o Estado garantiu a sua sobrevivência física, mas não necessariamente a sua sobrevivência cultural e territorial, vendo-se obrigados a falar línguas outras, comer outras comidas, dançar outras danças, seguir outras religiões, enfim a viver como estrangeiros em territórios alheios. Porém, para voltar a viver em suas terras tiverem que provar para si mesmos e para o Estado brasileiro que sempre foram de tal ou qual povo diferenciado daqueles nomes genéricos pelos quais se tornaram conhecidos durante tanto tempo. Denise ressaltou que diante disso, a vitória mais importante conquistada pelos povos que hoje se encontram no interior da TI Katxuyana-Tunayana não está apenas no papel, mas na recuperação de sua territorialidade e sociodiversidade que permaneceu escondida e latente, por mais de meio século, fora dali.

A manhã do segundo dia ficou reservada para a pauta de saúde, inicialmente conduzida pelo coordenador do Pólo Base de Oriximiná, Cristiano Lima, e posteriormente comentada pelo procurador do MPF em Santarém, Dr. Luis Camões que, além disso, acompanhou atentamente as demais pautas tratadas durante a Assembléia, prestando esclarecimentos sobre as providências já tomadas em relação a algumas e se comprometendo a dar novos encaminhamentos em relação a outras. Também pronunciou-se ressaltando a importância dos Protocolos de Consulta e incentivando à elaboração dos mesmos por parte dos povos dessa região. Já a tarde desse segundo dia teve como ponto alto a esperada devolutiva da Funai, por parte das comunidades indígenas locais, sobre os resultados da expedição de definição do traçado do Acordo de Limites entre a TI Katxuyana-Tunayana e o TQ Cachoeira Porteira, realizada conjuntamente pelo ITERPA e Funai entre março e abril de 2016. Esta devolutiva foi levada à Assembléia pelo próprio diretor DPT/Funai, Walter Coutinho que, em sua fala introdutória se disse imbuído do propósito de, enquanto Funai, consultar as comunidades indígenas dessa TI sobre como querem dar prosseguimento ao processo de demarcação da mesma, e acrescentou que a Funai estará pronta para encaminhar o processo para o Ministro da Justiça expedir a Portaria Declaratória após essa consulta, e assim que o Acordo tenha sido avaliado pela PFE (Procuradoria Federal Especializada).

O tema dos focos de atividade garimpeira na região e dos impactos do turismo de pesca esportiva vivenciados pelas comunidades indígenas vizinhas à comunidade quilombola de Cachoeira Porteira foi debatido no terceiro e último dia da Assembléia. E por fim, dentre os encaminhamentos destacam-se o pedido de que o MPF/Santarém continue acompanhando o processo de demarcação da TIKT, tendo em vista as decisões tomadas perante a devolutiva da DPT/Funai sobre as articulações que ainda precisam ser feitas entre os órgãos das esferas federal e estadual que tratam dessa demanda. Além disso, as lideranças indígenas presentes se comprometeram a registrar toda nova informação que surja em relação às pressões de pesca e garimpo em sua TI, para repassar para a AIKATUK, para que esta Associação possa encaminhar as informações recebidas imedediatamente para os órgãos competentes, e demandar providências.

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O início do processo de reivindicação da TI Katxuyana-Tunayana começa – na realidade – em 1968, e não em 2003 – Angela Kaxuyana

O início do processo de reivindicação dessa nossa TI começa na realidade em 1968, e não em 2003 como dizem os parceiros Karaiwa. Começa exatamente no dia 20 de fevereiro de 1968 quando os nossos velhos foram levados para o parque Tumucumaque sem saber por que estavam sendo retirados daqui. Foi o dia em que meu avô decidiu resistir e ficar, e posteriormente ir para o rio Nhamundá. Foi o dia em que os Katxuyana emocionados por serem obrigados a deixar as suas terras começaram a lutar para poder regressar. A partir desta data, a gente passou a conviver com outros povos e a sofrer com o contato com outras formas de cultura e com proibições. Passamos 37 anos vivendo na terra de outros povos. Mas cada velho continuou sonhando em um dia voltar, sempre contando para os mais novos sobre como era a vida nos rios Trombetas e Cachorro. Nós fomos levados de avião pelo Estado brasileiro. Nós nunca dominamos avião. Como nós íamos saber o caminho de volta? Se fosse por terra, eu tenho certeza que meus parentes teriam se encorajado a voltar muito antes. Vale lembrar que isso não aconteceu só com os Katxuyana, aconteceu com os Tunayana, com os Waiwai… com todos os povos dessa região. Aí em 2003 a gente começou a lutar do jeito que karaiwa pede. Entramos com o pedido de reconhecimento na Funai. Em 2004 os quilombolas entraram com o pedido de reconhecimento do território quilombola, se sobrepondo ao nosso. Em 2006 o estado do Pará criou 5 unidades de conservação dentro do nosso território surgindo um novo desafio para nosso povo. Finalmente, em 2008, foi criado o GT de identificação da Terra pela Funai, quando o antropólogo Ruben Caixeta e sua equipe vem a campo para iniciar os estudos. Quando isso aconteceu, nossos vizinhos quilombolas se sentiram ameaçados, e nossa relação com eles ficou acirrada. Sempre que a gente perguntava para Funai porque nossa terra não era demarcada, eles respondiam que era porque havia um conflito entre nós e os quilombolas, colocando sempre a culpa em nós. Então, em 2012, finalmente, a gente conseguiu firmar uma aliança entre índios e quilombolas de Cachoeira Porteira para poder dar seguimento ao processo de demarcação da Terra Indígena. Em 2015 foi firmado um acordo determinando as terras pertencentes aos índios e aos quilombolas pelos próprios indigenas e quilombolas. Entre esses marcos históricos vários outros episódios aconteceram. Outros povos dessa região também se envolveram na luta da demarcação. Inclusive quando os Hixkaryana ocuparam o DSEI Parintins em 2015 e o então o presidente da Funai João Pedro foi lá, eles entregaram um documento a ele pedindo a demarcação dessa terra. Quando foi em outubro, durante a abertura da conferência regional de Belém da Conferência Nacional de Politica Indigenista CNPI, o presidente anunciou a publicação do relatório. Eu estava lá. Foi o primeiro passo do reconhecimento da nossa luta. A AIKATUK passou a exigir que as instituições do Estado também entrassem em acordo em relação aos limites das Terras indígenas e quilombolas, pois não adiantavam só os indígenas e quilombolas terem entrado no acordo. Assim ficou definido que em março de 2016 aconteceriam os inícios dos trabalhos de campo conjunto entre governo do Pará, Funai, indígenas e quilombolas para marcar o limite entre as terras. Nesse processo, temos vários desafios e ameaças. Os principais desafios no avanço dessa luta são: que o governo cumpra com o acordo entre indígenas e quilombolas; dar continuidade no processo da demarcação; garantir os direitos dos povos indígenas que vivem nessa TI. A gente enfrenta várias dificuldades para acessar a saúde e a educação, e ouvimos o coordenador do polo-base de Oriximiná dizer que é necessário demarcar a terra indígena para assegurar a construção das instalações de saúde. Esse é um argumento que o Estado sempre utiliza. Mas eu vou desmentir isso. A aldeia Mapuera está dentro de uma Terra Indígena demarcada e homologada há tempos e lá não tem posto de saúde, então não podemos nos animar muito. O Estado só pode fazer benfeitoria dentro de terras regularizadas, mas eu conheço muitas terras indígenas demarcadas há 40 anos que não possuem posto de saúde. Portanto não é regra. Ao mesmo tempo, conheço terras demarcadas com boa estrutura de saúde. E muitas vezes, do mesmo distrito sanitário. Não há uma igualdade no acesso a saúde entre os povos que são atendidos pelo mesmo DSEI. Enfim, esse é um resumo da nossa história, mas tem muito mais. Para a Funai existem 5 etapas dentro do processo de demarcação da terra indígena. Nós avançamos apenas duas etapas em 40 anos! Demorou muito, com certeza ainda precisamos ainda lutar muito!”. (Trechos da fala de Angela Kaxuyana na abertura dessa III Assembléia Geral dos Povos Karib da TIKT)

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