Iepé adere a nota pública por um novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil e Controle da Corrupção

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MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E O CONTROLE DA CORRUPÇÃO – O QUE ESTÁ POR TRÁS DO DESCASO DO GOVERNO?

Em outubro de 2010, a então candidata à presidência da República, Dilma Rousseff, firmou o compromisso de, no caso de ser eleita, apresentar, “com a maior brevidade possível, no prazo máximo de um ano”, proposta de aperfeiçoamento da legislação que assegurasse às organizações da sociedade civil (OSCs) “uma relação jurídica mais adequada” com o Estado e “um ambiente regulatório estável e sadio”. Na carta que dirigiu à Plataforma por um novo marco regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, a atual Presidenta expressou o seu reconhecimento da importância das organizações da sociedade civil, valorizando o “seu papel fundamental na construção, gestão, execução e controle social das políticas públicas”. Destarte, a candidata acenou com uma política de governo voltada para o fortalecimento das OSCs e pautada pelo respeito à sua autonomia.

Transcorridos mais de dois anos e meio do mandato da Presidenta Dilma Rousseff, a trajetória do seu governo frente à questão do marco regulatório revela-se inequivocamente contraditória com os compromissos assumidos, embora devam ser reconhecidas algumas medidas setoriais positivas. Um rápido balanço das iniciativas governamentais nesse período comprova a falta de vontade política do atual governo no tocante à revisão da legislação que rege as relações das OSCs com o Estado, para não falarmos do seu suposto compromisso com políticas voltadas para o apoio e fortalecimento das organizações da sociedade civil que atuam na defesa de direitos e na luta contra as desigualdades:

Apesar da promessa de constituição “com a maior brevidade possível” de um Grupo de Trabalho sobre o marco regulatório, e da sua criação por decreto presidencial, o GT nunca foi nomeado oficialmente, tendo trabalhado informalmente, conforme decisão da Secretaria Geral da Presidência da República.

O referido GT só foi criado em setembro de 2011, e instalado em novembro do mesmo ano, ao final de um seminário internacional sobre o marco regulatório promovido pela Secretaria Geral da Presidência da República. Na ocasião, a Presidenta Dilma Rousseff deixou claras as suas reservas com relação a essas iniciativas, ao impedir os meios de comunicação de terem acesso à cobertura do evento.

Essa aparente inconsistência da ação governamental pode ser facilmente entendida se considerarmos que nos últimos meses de 2011 o governo estava às voltas com mais um escândalo de corrupção, decorrente de denúncias de intermediação pelo Ministério dos Esportes da contratação de “ONGs” para o programa “Segundo Tempo” em troca de uma comissão de 20%.

Diante desse episódio que propiciava novos elementos para reforçar a criminalização das ONGs e colocar sob suspeita todos os repasses de recursos públicos para organizações da sociedade civil, a Presidenta da República reforçou a ambivalência da postura governamental. Em lugar de focar a sua atuação numa enérgica apuração dos fatos denunciados relativos ao Ministério dos Esportes, o governo optou por desviar o foco da questão para a relação do governo com o conjunto das OSCs. Essa opção materializou-se no decreto que suspendeu indiscriminadamente todos os repasses para organizações não governamentais, “a fim de proceder em determinado tempo a sua avaliação e cancelamento daqueles considerados irregulares”. Com tal medida a presidência da República produziu enorme dano à imagem das OSCs, fazendo ainda com que a grande maioria das organizações sem fins lucrativos fossem penalizadas injustamente.

Fazendo frente a esse contexto adverso, o Grupo de Trabalho produziu, durante o primeiro semestre de 2012, inúmeras propostas de aperfeiçoamento do marco legal e de medidas visando mais transparência sobre a atuação das OSCs. O Ministro Gilberto Carvalho se comprometeu a submeter o relatório com esses resultados à apreciação de Dilma Rousseff, entretanto, transcorridos mais de 12 meses do final dos trabalhos, a Presidenta não se pronunciou a respeito. Os representantes das OSCs solicitaram reiteradamente e sem sucesso uma audiência com ela para conhecer as razões do seu aparente desinteresse pelo trabalho do grupo. Além de contradizer os compromissos assumidos, tal atitude desperdiça centenas de horas de trabalho de servidores públicos, representantes das organizações não governamentais e juristas que se dedicaram a esse trabalho.

A atuação aparentemente contraditória do governo Dilma não pode mais nos iludir. Não podemos mais desconhecer a fragilidade do compromisso do governo federal com o fortalecimento de um campo autônomo de organizações da sociedade civil. A postura do atual governo teve como precedente o bloqueio dessa agenda nos oito anos do governo Lula, tendo ambos, nesse aspecto, dado continuidade à tradição autoritária do Estado Brasileiro. Como disse recentemente o Bispo de Santarém, Flavio Giovenale, presidente da Cáritas Brasileira, “Não vejo só um distanciamento [do governo Dilma] à igreja, mas com todas ONGs. Me parece que tem uma atitude de autossuficiência do governo, de dizer ‘não precisamos das entidades sociais’. Há um distanciamento de tudo aquilo que é sociedade civil organizada. O governo diz: ‘o Estado sou eu’. Não! O Estado é muito mais amplo. Governo passa e o Estado fica. Público são todos os agentes que trabalham na melhoria da sociedade, então o papel das ONGs é fundamental. O marco regulatório [das ONGs] está sendo levado em banho-maria. Com Dilma vejo que a dificuldade de diálogo aumentou muito” (Valor Econômico, 19 de julho de 2013).

É inadiável a superação por parte do governo da visão que absolutiza o papel do Estado e desconhece na prática a importância de uma sociedade civil autônoma, organizada e fortalecida. O bloqueio da revisão do marco regulatório, favorecendo a corrupção e a arbitrariedade nas relações das OSCs com o Estado, é uma questão essencialmente política. Se ficar submetido a uma base de sustentação conservadora, na qual as bancadas ruralista e “evangélica fundamentalista” têm enorme peso, o atual governo não poderá priorizar a agenda de um campo de organizações que participam de enfrentamentos diários com os interesses do agronegócio, defendem os direitos dos indígenas, e se contrapõem à agenda dos grupos religiosos fundamentalistas que buscam reverter e impedir avanços dos direitos humanos das mulheres, de homossexuais e da população negra.

O governo da presidente Dilma Rousseff pode ainda reverter essas expectativas negativas, renovando o seu compromisso com as organizações da sociedade civil, através da adoção de medidas concretas:

Assinatura imediata do decreto que aprimora o sistema de transferências financeiras do Governo Federal para as entidades da sociedade civil, clareando o entendimento sobre esse tema.

-Encaminhamento ao Congresso Nacional, em regime de urgência, do Projeto de Lei também proposto pelo grupo, agilizando a tramitação da matéria, que já vem sendo tratada no Legislativo por iniciativa do Senador Rodrigo Rollemberg e do deputado Eduardo Barbosa.

Reconvocação imediata do Grupo de Trabalho, agora com nomeação oficial, para detalhar as propostas de legislação e de políticas que contemplem os demais pontos da Plataforma ainda não equacionados: políticas de fomento à organização autônoma da cidadania e à participação social, ambiente tributário facilitado, democratização dos incentivos às doações de pessoas físicas e jurídicas às organizações de interesse público, revisão do sistema de certificação e de seus benefícios.

As redes e entidades que subscrevem este documento reivindicam da Presidenta a tomada imediata de tais medidas. Temos a convicção de que uma sociedade civil fortalecida é condição para viabilizar a reforma política que a sociedade brasileira almeja. Estamos convictos também de que sem as organizações da sociedade civil o Brasil estará mais vulnerável ao acirramento das desigualdades e da violência, à espoliação de nossos bens naturais e culturais e à proliferação da pobreza.

Redes

Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

ABA –Associação Brasileira de Agroecologia

ABGLT –Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais

Aliança Cristã Evangélica do Brasil

AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras

AMNB – Articulação de Organizações de Mulheres Negras

ANA – Articulação Nacional de Agroecologia

Asa – Articulação no Semiárido Brasileiro

ASTE – Associação de Seminários Teológicos

CEBRAF – Confederação Brasileira de Fundações

CLAI Brasil – Conselho Latino Americano de Igrejas/Regional Brasil –

CMI – Conselho Mundial de Igrejas

CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

FBOMS – Fórum Brasileiro de ONGs pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento

Fórum Ecumênico Brasileiro

GIFE – Grupo de Institutos Fundações e Empresas

PAD – Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Europeias e Parceiros Brasileiros

Rede Cerrado

Rede Nacional Lai Lai-Saúde da Populaçao Negra e Aids

REJU – Rede Ecumênica da Juventude

RENAS – Rede Evangélica Nacional de Ação Social

ANAIDS– Articulação Nacional de Luta contra a AIDS

Entidades

Ação Educativa

A Voz do Cidadão – Instituto de Cultura de Cidadania

ABB – Aliança de Batistas do Brasil

ANDI – Comunicação e Direitos

CAMP – Centro de Assessoria Multiprofissional

CAPA – Centro de apoio ao Pequeno Agricultor

Cáritas Brasileira

Casa da Arte de Educar

CEBI – Centro de Estudos Bíblicos

CEDITER – Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra

Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá

CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço

CESEEP – Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular

Comunicação e Cultura

Diocese Sul Ocidental da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

EQUIP – Escola de Formação Quilombo dos Palmares

FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional –

FLD – Fundação Luterana de Diaconia

Fundación Avina

Fundação Grupo Esquel do Brasil

Gestos – HIV, Comunicação e Gênero

GIP Gestão de Interesse Público

GTP+– Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo

Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

IEAB – Igreja Episcopal Anglicana do Brasil Diocese Sul Ocidental da IEAB (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)

Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena

INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos

Instituto IDhES – Estudos Jurídicos em DHESCA

IPF – Instituto Paulo Freire

IPU – Igreja Presbiteriana Unida do Brasil Igreja Metodista

ISA –Instituto Socioambiental

Iser Assessoria

Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço

PROFEC – Programa de Formação e Educação Comunitária

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos

SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia

Terra de Direitos

Unimirá

Vida Brasil

Visão Mundial

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